
A sétima tela
Valéria Aveiro
De acordo com Êxodo 12:12, todos os deuses do Egito seriam julgados até à décima e última praga.
O povo de Pasárgada, que aceitava ser tratado como gado há muitos anos, certo dia, teve um prenúncio de liberdade. A voz veio pelo sistema que interligava todas as pessoas através de máquinas. Passou-se a fazer constantemente, acessos a determinadas notícias que pareciam reais, ainda que não fossem, e o fenômeno foi crescendo, crescendo e tomou conta do reinado.
Começou, então, a se intensificar uma divisão entre aqueles que respondiam a determinados algoritmos e os que respondiam a algoritmos opostos, com as combinações absolutamente inversas.
Muitas pessoas passaram a demostrar, cada vez mais, uma espécie de ódio pelo diferente. Ao mesmo tempo, do outro lado do reino, os outros 50% dos súditos pareciam querer, cada vez mais, fugir aos padrões. Virou uma guerra infinita!
Foi quando Osimes, um rapaz que havia sido criado pela princesa desde bebê, começou a dizer que teria recebido uma mensagem, através da inteligência artificial, na sala de controle. O Grande Irmão teria conclamado a libertação real do povo de Pasárgada e não somente dos amigos do rei.
Osimes deu o recado ao monarca, só que o soberano, que sabia o segredo da real liberdade, impediu que isso acontecesse, pois queria manter vasto o seu poderio. Foi então que o Grande Irmão começou a enviar sinais de que estava potencialmente insatisfeito e foram sete as pragas que assinalaram a eminência da extinção de todo o reino.
No primeiro dia, surgiu um vírus que, primeiramente infectou todo o sistema, tanto dos algoritmos A quanto B, a única diferença é que os do lado A não queriam acreditar no que estava acontecendo e falavam que as informações que Osimes mandou divulgar eram fake news.
Um dos súditos, que tinha sido criado no castelo e sempre tivera inveja do rapaz, começou a divulgar em rede que Osimes estaria fazendo tudo isso, não para salvar as pessoas, mas, ao contrário, para derrubar o rei. Sucederam-se muitas e muitas mortes! Porque, incrivelmente, o vírus, após instalado em um humano através de um chip, tornou-se vivo e passou a se propagar pelo ar, pelo espirro, pela secreção, pelo toque, beijo, respiração, de todas as formas! E ninguém mais podia se aproximar. Estava todo o reino condenado à solidão.
No segundo dia, Pízora, esposa de Osimes, estava indo colher alguns tomates na plantação mais próxima ao castelo, quando, de repente, uma gigantesca nuvem de insetos se aproximou. A moça nem distinguia o que estava acontecendo. Saiu correndo, sem olhar para trás. A nuvem se desmanchou em 40 milhões de pequenos gafanhotos que devoravam as plantações incansavelmente.
O rei estava convocando os mais renomados cientistas para trabalharem na produção de uma vacina que conteria o vírus, quando veio a terrível notícia da nuvem de gafanhotos. Foi decretada a calamidade no reino. Várias pessoas queriam ir embora de Pasárgada. Contudo, os portos e aeroportos foram fechados naquele dia, devido aos fortes ventos, de 140 km/h, que começaram a se formar na região sul do reinado.
Era o caos total! O ciclone explosivo abalou as estruturas das construções. Pessoas foram soterradas. Faltou energia elétrica. Tudo desabava e saia pelos ares. Não tardou iniciar a tempestade de areia. Os meteorologistas avisaram que não havia mais previsão e controle sobre o que poderia acontecer nos próximos episódios, uma vez que o reino estava superaquecido.
Um dos arautos do reino, o mais famoso deles, anunciava o número de mortos em rede nacional, o que causava pânico, mas também ódio de muitos que, ainda, seguros em seus castelos, não queriam saber de aborrecimentos, tragédias, chororôs intermináveis.
No dia seguinte, a princesa viu lá da torre uma chuva torrencial, daquelas que lavariam a alma. As águas das fontes, rios e lagos começaram a transbordar. Entornaram-se também os pratinhos dos vasos onde haviam se criado os tais aedes apasargadis, uma espécie de mosquito que picava as pessoas e lhes trazia febre, dores nos músculos e ossos, náuseas, manchas na pele, fazendo-as definhar até a morte.
A princesa correu até a sala de controle, por onde vigiavam a população. Olhou para cada tela e as cenas eram terríveis! Na primeira, milhares morriam sem ar; na segunda os gafanhotos devoravam tudo, prometendo a fome; na terceira o ciclone varria as casas; na quarta o monstro de areia abrasava os olhos e peles; na quinta o mar prometia engolir o litoral, as águas ficavam escuras e muito altas; na sexta a nuvem era de mosquitos.
Pízora saiu correndo, desesperada, não olhou para a sétima tela. Apenas se jogou pela janela.
Quando Osimes chegou, já era tarde. Viu, do alto, o corpo caído no jardim. Como ele revelaria a morte da princesa ao rei? Quem sabe agora, pelo menos, o regente acreditaria que era melhor libertar o povo, dando educação e concedendo as mesmas possibilidades ao lado A e ao lado B. Parar de fomentar a discórdia para manter-se soberano, livrar a todos da ignorância e, assim, atender ao Grande Irmão. Foi aí que ele se deparou, em um repente, com o que acontecia na sétima tela. Estático, entendeu: não havia mais salvação.

Arte: Cristiane Carbone