
Evolução
Valdemir Carmo
Em fevereiro de 2020 fui hospitalizado com Covid. Em poucos dias, os médicos resolveram me entubar, mas essa situação terrível não durou muito. Em algumas horas, morri.
Bem, acho que foi isso. Naquele momento senti meu corpo se desprendendo e saí dele. Era como uma casca. Flutuei e fiquei me olhando. Vi três enfermeiros e um médico me assistindo e tentando me reanimar. Observei toda essa cena sem um pingo de medo. Aliás, não sentia nada.
Depois, sem controle, fui subindo e subindo. Podia, já, ver o teto do hospital. Podia ver o teto das casas no entorno do hospital, podia ver a cidade toda do céu. E fui subindo cada vez mais sem saber sequer onde estava indo. Pensei que não devia ter sido alguém ruim, senão, estaria descendo, não é mesmo?
Assim, depois de algum tempo, parei na entrada de um túnel de luz azul. Senti uma paz profunda e um calor confortável, o que estranhei, já que nem corpo tinha. Parei ali e então uma voz ecoou:
– Que tempos em sua Terra, hein?
Fiz que sim, concordando, apesar de estar falando com um túnel de luz azul. E então, a luz completou:
– Há centenas de anos, observamos como vocês são fracos, corruptos e maus. A ignorância de vocês os levou a terem atitudes ruins para com o planeta, a natureza e uns com os outros. E isto causou o mal que vos aflige.
Fiquei puto!
– Minha atitude? O que fiz?
O Túnel suspirou impaciente pela minha ignorância.
– Quando digo sua atitude, quero dizer de sua raça, dos humanos.
– Ah. Assim está melhor. Nunca poluí nada, não posso ser culpado.
– Não o estamos acusando, apesar de você não estar livre de culpa.
Notei que a luz falava no plural. Será que eram muitos?
– Somos milhões de seres em uma única consciência, que vocês chamam de Deus – a luz leu meu pensamento e continuou – como eu dizia, a pandemia foi escolhida como reabilitação e aprendizado em lugar de uma grande guerra. Vocês sofrerão, mas deste sofrimento virá a luz e vocês evoluirão. Muitos de seus irmãos perecerão, mas o mal não pode vencer. Seu tempo não é chegado, volte para o seu corpo, tome consciência dos seus atos e espalhe o que ouviu aqui.
Voltei e... pra minha surpresa, já era junho. Acordei curado, bem e com saúde. Em poucos dias, recebi alta e fui para casa feliz. Então me lembrei da experiência de quase morte. Será que evoluiremos após tanto sofrimento? Ou melhor, será que já estamos evoluindo?
Pensando que já estaríamos melhores, para minha decepção, a primeira notícia que ouvi foi sobre policiais dos Estados Unidos matando negros. No Brasil, também e com muito mais frequência. O desmatamento nunca esteve tão grande e feito de maneira tão rápida e às escuras para que ninguém pudesse impedir, piorando a cada dia. A interminável corrupção feita por políticos, que agora estavam desviando dinheiro da compra de respiradores, matando indiretamente muitas pessoas. Fora os desvios que poderiam ser de investimentos na educação e saneamento básico. O crescimento da violência e dos abusos contra mulheres e contra os idosos...
Nos meses que estive “fora” só pioramos.
Não... não vamos evoluir tão cedo. Aquele túnel miserável mentiu pra mim!

Arte: Cláudia Constantinov