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O ladrão consciente

Valdemir Carmo

O delegado Romeu estava muito cansado. Odiava dar plantão naquele triste bairro periférico do Rio de Janeiro. Ele via de tudo pela madrugada insone: vagabundos, prostitutas, malandros e muito mais. Queria mudar de vida, mas já era delegado havia tantos anos que nem imaginava que outra ocupação teria. Além disto, era machão, grotesco, irredutível, até a escuma do bofe. Por isso, nunca acreditou que a pandemia fosse de verdade. Todos na delegacia se cuidavam, andavam com álcool em gel e lavavam, constantemente, as mãos.

– Coisa de fresco! – falava alto o delegado e se gabava de sua brabeza de bisneto de ex-cangaceiro.

Três da manhã e Romeu está exausto: separou a briga de duas prostitutas que, mesmo de máscara, se ofendiam. Em dado momento não sabia qual xingava qual, pois não via os rostos. Salvou um marido pequenino que apanhava de uma mulher grande e forte. A máscara dela empapada de saliva e a dele molhada de sangue, pois a mulher já o socara algumas vezes. Finalmente, prendeu cinco anões que, como já estavam de máscara, tentaram assaltar um mercado. Esqueceram que seriam descobertos, pois eram os únicos anões do bairro.

Com sono e bravo, o delegado resolveu ir lá fora para tomar um ar.

Lá fora, pegou um cigarro e já ia lamentar por sua vida quando, na rampa da entrada do distrito, viu dois guardas trazendo um homem nu com uma máscara. Na hora o delegado ficou louco. Foi para cima do pederasta. Quando já ia dar um safanão no sujeito os guardas gritaram:

– Não chefe! Este é a vítima!

– Vítima? – devolveu Romeu.

–Sim, ele foi assaltado e levaram tudo dele, até as roupas!

– Mas ele tá de máscara!

– Sim, chefe! O assaltante não queria que o alemão pegasse Covid.

– Ladrão consciente! – disse o outro guarda.

O delegado olhou o alemão nu e de máscara e pensou: É o fim do mundo! Até ladrão com essa frescura, perdendo a macheza!

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Arte: Túlio Vilela

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