
A morte do velho professor
Valdemir Carmo
Esta aconteceu em Minas Gerias, na cidadezinha de Paraisópolis. O velho professor de Geografia, que morava lá há uns 50 anos, passou mal e sua filha, desesperada, pôs a máscara contra a Covid no pai e nela mesma e correu para o hospital. O senhor, que já era aposentado há anos, ficou internado e a filha desmoronou.
Muita gente se entristeceu e ficou preocupada também. O professor Antônio lecionara os acidentes geográficos e as capitais para mais da metade da população de lá. Desde o prefeito até o coveiro do único e pequeno cemitério de Paraisópolis passaram nas mãos severas do Professor Antônio. Começaram as orações.
Não adiantou. Dias depois ligaram do hospital e as notícias não eram boas: O querido professor falecera. Não de Covid, como se poderia supor, pois tomava todos os cuidados e, até internado, usava máscara. Morrera de falência dos órgãos.
A filha estranhou o laudo médico. Os órgãos pararam? Mas a dor da perda foi maior. O hospital avisou que iria trasladar o corpo até sua casa e a moça, que já tomava conta do pai há uns oito anos, caiu em prantos.
Convocou a família e os amigos; e como notícia ruim viaja rápido, a informação se espalhou e logo a cidade chorava. Em pouco tempo, as providencias foram tomadas... Gastou-se muito: compraram flores, coroas, homenagens póstumas e outros rapapés foram aprovisionados.
Em pouco tempo, parentes de São Paulo, Belzonte, Rio de Janeiro e outros tantos lugares vieram para o enterro e a cidade de Paraisópolis se viu cheia de parentes do morto. Só um detalhe descabia: O defunto ainda não chegara. Reclamaram com o hospital que entregou a encomenda algumas horas depois. Nada mais faltava, pois no fim da tarde chegou o professor.
Bem, em Paraisópolis, velório é na sala do defunto e foi lá que ele ficou exposto enquanto se fazia uma imensa fila em que cada pessoa ficasse a um metro de distância da outra. Na sua vez de ver o defunto, o açougueiro olhou por um momento e pensou em quantas broncas levou daquele rabugento; a dona do botequim o viu e lembrou que o velho mestre não pagou as últimas cervejas que lá tomou; sua ex-namorada de infância o viu naquela paz e pensou em como ele estava bonito com aquela barba que sempre usara. Durante horas, todos se lamentavam de alguma forma por aquela perda irreparável. Então o sacristão comentou:
- Como o professor era um grande Homem! Nunca notei como ele era alto.
Outros foram notando também até que a filha do homem gritou:
– Este não é o professor Antônio. Este é o defunto errado!
Confusão geral – gritos, desmaios e as fofocas. Correram e ligaram para o hospital e esbravejaram:
– Este mundo está mesmo perdido. Não se respeita nem os mortos.
– Tem alguém velando nosso morto. Então todos correram ao hospital. A esta altura toda a cidade procurava por quem estava velando o professor por engano.
Meia hora depois, no saguão do hospital, pra mais de vinte pessoas gritavam pelo corpo do mestre. Coitado. Trabalhou tanto na vida e agora nem podia descansar em paz. Após as ameaças e revoltas, fizeram novas verificações e depois de três horas descobriram que não trocaram os defuntos. Trocaram as fichas. O professor Antônio estava vivo, sem falência de órgãos, sem Covid e até já estava de alta médica.
Claro que da raiva e da revolta veio a extrema alegria. Foram buscar Antônio e depois devolver o defunto grandão que ficara sozinho na sala. Levaram o professor que ficou mais famoso, pois fora pranteado e bebido por antecipação. Mas o que fazer com tanto material de enterro?
Dizem que a família, em sinal de grande alegria com a volta do ex-morto, ofereceu aos tantos amigos e parentes um funeral dançante.
E beberam o defunto vivo!
